Guernica (Pablo Picasso,1937)
Após o final da primeira guerra mundial, Freud publica, em 1920, o texto intitulado "Além do princípio do prazer". Neste ele assinala que, diante da dinâmica psíquica, existe uma forte tendência no sentido do prazer, mas que essa tendência não é seguida a risca em todas as circunstâncias. Além disso, ele deixa claro que o opositor do princípio do prazer não é o princípio da realidade. O questionamento sobre a existência de algo além do princípio do prazer leva a alguns desdobramentos.
É nesse contexto que o autor introduz o conceito de Pulsão de Morte. Ele começa observando a questão peculiar dos sonhos das neuroses traumáticas, mobilizado pelo tratamento dos neuróticos de guerra que povoavam as cidades europeias na época. Sonhos que deveriam ser realizações de desejos colocavam o paciente, repetidamente, cara a cara com a situação do trauma.
Em seguida, Freud conta a história de uma criança de um ano e meio, seu neto, que tinha o hábito de jogar seus brinquedos para fora de seu próprio campo de visão, e depois apanhá-los. Em outro momento, a criança utiliza de um carretel amarrado com um pedaço de barbante para realizar a mesma brincadeira repetidamente, que sempre era acompanhada de um “fort”, que significa aproximadamente “ir embora”, e de um “da”, significando “aqui”. Freud interpreta essa brincadeira como uma encenação que representava de forma simbólica a saída e a volta da mãe. Ocorrendo, então, um duplo distanciamento da criança: um da mãe para o carretel, submetendo-se às leis do processo secundário, e outro do carretel para a linguagem, onde a criança se afasta do real por essa linguagem. Nessa brincadeira há uma tentativa de se obter um controle da situação. Tornar-se ativo, de forma simbólica, em uma circunstância na qual se era passivo.
Assim, essa dinâmica nada faz em favor de nossos propósitos, pois ainda não encontramos o dito “Além do princípio do prazer” nessa repetição, visto que esta se dá em submissão ao princípio do prazer quando tem o objetivo de superar e dominar o desprazer com uma elaboração simbólica.
É a partir dessa diferenciação que Freud vai nos encaminhar para o lugar que, então, caracteriza o além do princípio do prazer, o da compulsão à repetição. Na clínica, podemos perceber essa compulsão no paciente que repete situações traumáticas, sem deixá-las apenas como recordações no passado. Vivendo-as no presente e não como material inconsciente que eram em sua origem. A imposição repetida de algo que de maneira alguma é fonte de prazer define bem o conceito de compulsão à repetição. É nesse lugar que se faz a Pulsão de Morte, em algo mais primitivo que o princípio do prazer. Essa tendência a buscar um retorno a um estado inorgânico, um estado primeiro, originário, um ponto de partida de toda a vida. Uma energia que ataca o psiquismo e pode paralisar o trabalho do eu, mobilizando-o em direção ao desejo de não mais desejar, que resultaria na morte psíquica.
Esse conceito, mais tarde, se desdobra como desobjetalização, de André Green, como gozo, de Lacan, ou como a manutenção da vida vegetativa ao corpo, de Françoise Dolto.
Diante dessa pulsão há uma outra energia, em contraponto, que se esforça para que esse objetivo, que corre em direção ao inanimado, se cumpra naturalmente e que se dê de forma medida. Essa é a Pulsão de Vida que, mesmo oposta a Pulsão de Morte, não quer evitar a morte. Procura, como em um acordo, seguir um direcionamento no qual serve como uma reguladora desse caminho.
Se for lícito aceitar como experiência que não admite exceções o fato de que tudo o que é vivo morre – retorna ao inorgânico – por razões internas, somente podemos dizer que a meta de toda vida é a morte e, retrocedendo, que o inanimado estava aí antes das coisas vivas.
Há como um ritmo vacilante, um dos grupos de impulsos avança precipitadamente a fim de atingir o mais rápido possível a meta final da vida, o outro recua em certo ponto desse percurso para refazê-lo e, assim, prolongar a duração do caminho.
Gabriela Costa
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